quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ÓRFÃOS DE PAIS VIVOS X FILHOCENTRISMO

É inegável a importância da vida em família na construção da nossa personalidade e na realização a contento do nosso projeto de vida. A maioria sabe disso; fala-se muito a respeito; mas, poucos investem na sanidade do ambiente familiar.
Descontado a falta de capacitação dos pais e da pobreza de qualidade íntima de cada um; hoje nos interessa refletir a respeito de mais um dos nossos incontáveis paradoxos: a disparidade da importância dos filhos em nossas vidas.

Estar ou ser órfão de pais vivos é fato cotidiano corriqueiro pelas circunstâncias da vida moderna. Evidente que a gravidade do processo de “abandono” na formação da personalidade do filho, e da sua qualidade de vida futura como adulto; depende muito da qualidade da consciência dos adultos envolvidos; e das tendências inatas da criança.

Como sempre temos as desculpas e as justificativas na ponta da língua – uma das mais usadas é a falta de tempo.

Num passado recente o pai trabalhava fora e a mãe ficava em casa; hoje grande parte dos casais vê-se obrigado a educar as crianças à distância, terceirizando a educação. Em países onde a tecnologia de ponta faz parte do cotidiano das pessoas; as crianças estão “chipadas” e os pais monitoram as atividades da criança á distância via Net.
Estudos americanos indicam que pais e filhos hoje ficam menos de duas horas por dia juntos sob o mesmo teto; trinta anos atrás permaneciam mais de dez horas diárias. Um dado perturbador é que a falta de tempo é irreversível, já que os pais precisam e desejam trabalhar – além disso, se num dia de mais ou menos 15hs de tempo real já está difícil cumprir com as metas de trabalho; caso se confirme a previsão de encolhimento do tempo para 13hs nos próximos meses; a relação pais e filhos vai parecer a dos personagens do filme “O feitiço de Áquila”; quando um está chegando o outro está saindo.
Um alívio é que até o momento, não se provou que a educação à distância traga tantos problemas para os filhos; como um casamento ruim; a falta de participação do pai e o grau de ansiedade de culpa que a mãe transmite para o filho por trabalhar fora. Outro problema; digno de uma reavaliação mais apurada; é que muitos pais que lamentam a falta de tempo; quando chega o final de semana permanecem sentados em frente da televisão; ou trabalhando no PC, em vez de sair, brincar e até conversar com os filhos. Há pais que lotam a agenda dos filhos na esperança de que as crianças, assim ocupadas, não sintam a falta deles. Não dá certo.
Como o tempo escasseia cada vez mais, os pais e as mães desenvolvem um tipo especial e moderno de remorso: a sensação de que não dão às crianças tudo aquilo que elas precisam. E acabam compensando de duas formas. Com presentes - como se isso aumentasse a compreensão para o fato de que os adultos precisam trabalhar- e deixando a criança fazer tudo o que quer, criando indivíduos sem limites e até infratores de todos os tipos. O que pode levar a criança a confundir vínculo afetivo com objetos materiais; o que já acontece com freqüência.

Evidente que muitos outros fatores estão em jogo; e nossa conversa é dirigida a um público especial, relativamente, interessado no problema – mas, há um outro teorema a ser resolvido.

O filho como objeto da projeção de realização dos pais.

Meu filho minha vida!

O filhocentrismo lembra a superproteção, mas é importante saber distinguir uma situação da outra. Pais superprotetores sempre houve; incapazes de serem objetivos e coerentes.
As figuras geradoras do filhocentrismo são mais recentes - pessoas inseguras e atordoadas na sua condição de pais, por uma realidade que se modifica muito rápido; sentem-se pessoalmente culpadas por não poderem reproduzir para seus filhos a vida que tiveram ou que gostariam de ter tido em criança.
Exteriormente suas atitudes podem ser parecidas. Mas os filhocêntricos se anulam e se vêem incapazes de dizer não ao filho, de estabelecer limites, de sinalizar o espaço da criança a partir de seu próprio espaço de pais; anulam-se sob o pretexto de amar demais.
E conspiram contra a construção da identidade dos filhos.
A criança passa a sentir-se o centro do Universo acha que tudo quer e tudo pode; e torna-se um “aleijão ético/moral” como tantos que vemos por aí cometendo grandes desatinos.

Quando a criança passa a ser a principal razão de ser do casal; torna-se uma fixação, capaz de transformar-se em obsessão danosa a todos; pois, é preciso que os pais zelem pela sua própria paz e realização pessoal; até para que seus filhos saibam fazer o mesmo; quando chegar a hora deles.

O amor dos pais; não é panacéia para que os objetivos mais imediatos do projeto de vida de cada um se cumpra com relativo sucesso; mas, crianças que crescem num ambiente seguro, com pais amorosos e sensatos, aprendem a modular suas reações ao estresse que faz parte da vida contemporânea – e, até adoecem menos que as vítimas do filhocentrismo.

Crianças que vivem num ambiente de relações emocionais mais ou menos estáveis; estão mais protegidas contra a possibilidade de não darem certo na vida; ou seja: de aprenderem usando basicamente a atitude de tentar resolver problemas que criaram; fugir da dor e do sofrer que geraram com escolhas inadequadas e sem bom senso.

Claro que cada um de nós vai pontuar sobre o assunto de acordo com sua visão de mundo e experiência pessoal; mas, é válido tentar filosofar a respeito da questão:
O que é dar certo na vida; ou não? Qual a participação da família nisso?
Pela sanidade social dos próximos tempos não diga: Meu filho minha vida! – Mas: Meu filho compartilha minha vida!

Nenhum comentário:

Postar um comentário